quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Estrela e o Marinheiro



Tudo o que o marinheiro conseguia pensar enquanto a morte o carregava nas suas majestosas asas era naquela estrela. A mais bonita de todas, sempre a primeira a aparecer na luz do ocaso e a última a sumir-se para o invisível na aurora do dia.
A primeira vez que a vira fora numa noite de verão, no telhado da casa do talhante. Achara-a a mais brilhante e quente estrela de todo o céu, ainda mais capaz de tirar o fôlego do que a própria lua quando está cheia.
- És linda. – dissera o marinheiro ainda menino.
A estrela rira-se e mudara de cor por um instante, no que ele assumiu ser a sua maneira de corar.
- A sério? Há estrelas maiores e mais bonitas que eu… Olha á tua volta…
A estrela parecia hesitante, como se não estivesse habituada a elogios. Mas o menino não queria olhar em volta. Ela enfeitiçara-o com um só vislumbre.
- Não preciso de olhar, minha estrela. Só tu me encantas. Mesmo que apenas te tenha conhecido esta noite, já és dona do meu coração.
- O teu coração? Mas o teu coração é tão só… Vejo apenas solidão e vazio, não amor.
- Então faz-me companhia e afasta a solidão, ama-me e preenche o vazio.
A estrela hesitou, mas acenou, oferecendo-lhe um tímido sorriso. Desceu á terra e sentou-se no telhado da casa do talhante, onde ambos conversaram e se conheceram. Pouco antes da manhã, a estrela despediu-se e subiu aos céus, prometendo descer na noite seguinte.
E, na noite seguinte, ela regressou. Foi assim durante anos, até o menino se tornar um homem.
- Preciso de te dizer uma coisa, estrela. – a estrela fitou-o. – Amanhã vou-me casar. O meu pai arranjou-me noiva. Quer que eu tenha filhos.
O menino, agora homem, suspirou, tristíssimo.
- Mas quero que saibas, luz minha, que ainda só tu possuis o meu coração. Desde o dia em que nos conhecemos afastaste a negritude da minha vida, deixando apenas tu. Amar-te-ei sempre com a mais pura das vontades habitadas na minha alma e os meus pensamentos estarão sempre em ti, mesmo que o meu corpo pertença a outra. Não quero deixar-te e prometo que levantarei a cabeça para o céu todas as noites para te olhar, mesmo sabendo que não te mais poderei tocar estando tu tão longe.
A estrela limitou-se a fitá-lo com tristeza no seu olhar cinza, nada dizendo.
O homem levantou-se e partiu.
Não se viram durante uma década, apesar de parecerem séculos de solidão sofrida, tanto para a estrela como para o marinheiro. Por fim, ele já não aguentava mais a sua ausência e chamou-a, uma noite.
Mas a estrela não apareceu.
Desolado, o homem chorou a rejeição, mas não desistiu. Com uma convicção revigorada, decidiu tornar-se marinheiro e persegui-la pelos mares e oceanos até ao fim do mundo, de modo a finalmente não terem nada entre eles senão o vazio entre o céu e a água. Despediu-se da mulher e dos filhos e partiu com esperança no coração.
Todas as noites, por mais chuva que caísse, por mais cansado que estivesse ou por mais nuvens que houvesse, ele saía para o ar frio da escuridão salgada, procurava-a e falava com ela. Sabia que ela o ouvia. Via as suas respostas subtis na forma como mudava de cor, piscava mais longa ou rapidamente ou até quando se distendia durante uns meros segundos antes de se recolher novamente. Mas o que ele mais apreciava era o facto de ela ser a primeira das luzes a parecer e a última e partir, prolongando a companhia de ambos e inchando o coração do marinheiro.
E foi enquanto ela lhe dedicava o seu habitual adeus ao ver o sol espreitar pela linha que separa o mundo que o navio naufragou. Atacado por piratas, o barulho dos canhões perfurava o ar em explosões dolorosas enquanto rasgava a madeira, marinheiros guerreavam como animais furiosos entre si com facas, espadas e mãos nuas enquanto outros tentavam manter o navio acima da água. O marinheiro apenas ouvia gritos desesperados por viver, rangidos sob os seus pés e sons metálicos a rasparem entre si. O barco virou, levando a tripulação para o gelo da água. Por fim, nada. Apenas um silêncio esmagador e uma escuridão penetrante à medida que se afundava cada vez mais…
Uma figura branca apareceu-lhe pelas costas e carregou-o suavemente para cima, passando a água, a chacina consumida pelas chamas e continuando a subir e a subir até à sua querida estrela da manhã, que o aguardava de braços estendidos e com um sorriso tão gentil que a tornou mais bela que nunca.
- Finalmente chegaste. Tenho estado á tua espera.
O marinheiro sorriu ao tomá-la nos braços, finalmente feliz.

Andreia Pimenta

Sem comentários:

Enviar um comentário